quinta-feira, 2 de julho de 2009

Miragem

Decidido que aquele seria o dia da mudança, saiu para a rua. Sentia o frio do metal a juntar-se com calor do asfalto, como quando o mais doce gelado se encontra com o mais suave chocolate derretido.

Inspirou o ar daquela madrugada. O Sol substituía suavemente a lua. Alternavam como os corpos dos amantes alternam em loucas danças de gemidos e prazer.

Sentia-se dono de si pela primeira vez na sua vida. Sentia que poder respirar aquele ar, naquela hora, naquele sítio completamente descomprometido consigo e com os outros fazia perceber que tudo era seu.

Já não existia inicio nem fim. Não existia pressa nem descanso. Não existiam problemas nem soluções. Existia apenas ele, a madrugada, o ar. Lá longe as luzes da cidade e os espíritos da madrugada. Aquela cidade que lhe tinha trazido tudo. As ruas, os monumentos, as torres, o parque, o cemitério, o porto, via tudo naquele instante de uma forma diferente. Os olhos turvavam-se quando pensava no fado, nas ginjas, nas sardinhas, nos manjericos, nas varinas, nos mercados, nas ruas e nas vielas. Sentia-se a saborear, a cheirar, a ouvir todos aqueles sentimentos, sentidos, prazeres naquele momento.

Á esquerda, Cristo. Pedia-lhe perdão por tudo. Pedia-lhe perdão por nunca ter pedido perdão a ninguém. Pedia-lhe que o amasse como ele nunca tinha amado ninguém. Pedia-lhe que lhe desse a coragem nunca teve. A coragem no seu momento de maior fraqueza de sempre. Pedia-lhe principalmente que enquanto Homem o entendesse nas suas fraquezas.

Á sua frente a foz do rio. O rio mais versejado de todos os rios. O rio mais cantado de todos.

O sol cada vez maior. O ar cada vez mais quente. A cidade cada vez mais viva. Cristo sempre parado a ver. O rio sempre a fugir e os espíritos a chamarem por ele.

Saltou para a união com tudo.

1 comentário:

Rita disse...

Passou-me ao lado das outras vezes... gostei, gostei mesmo muito, haverá um fadista dentro do aprendiz?