sábado, 7 de novembro de 2009

O herói da minha rua

Quando o sol nascia naquele monte, reflectia nas velhas pedras daquele moinho a luz que nos guiava. O sol nascia todos os dias mas o tempo que cada um via era diferente. Esse tempo dependia da forma como cada um enquanto individuo e cada um enquanto parte do bando conseguia libertar-se.

Á volta do moinho surgiram 4 ruas, 340 casas, umas quantas mais vidas e incontáveis sonhos. Como em todos os sonhos de todas as vidas, existia naquela rua um herói. Alguém com mais confiança, alguém com mais vontade, alguém com mais força, alguém com mais carisma, alguém...

Ele era perfeito.
Quando todos éramos corredores, ele era o Carlos Lopes.
Quando todos éramos jogadores, ele era o Maradona.
Quando todos éramos hoquistas, ele era o Xana.
Quando todos éramos saltadores, ele era o Bubka.
Quando todos éramos ciclistas, ele era o Agostinho.
Quando todos éramos cowboys, ele era o John Wayne.

Tudo à volta do moinho. Naquele espaço, no seu espaço ele era o rei e nós assim o queríamos. Era dele que todos queriam ser amigos. Era com ele que todos queriam estar. Era na escada dele que nos juntávamos todos e era dele a palavra final sobre todos os assuntos.

Também era ele que nos protegia. Protegia-nos dos outros, protegia-nos uns dos outros e principalmente ensinou-nos a proteger-nos uns com os outros. Ele era o nosso herói, o maior, o mais mau, o mais importante de todos.

Contudo quando os sonhos se desvanecem e a realidade se clarifica, o nosso herói conheceu uma heroína. Longe do monte, longe do moinho, longe de nós ela transformou-o.

Foi por ela que nos trocou. Foi por ela que desapareceu. Foi por ela que nos fez sofrer.
No fim, foi ela que o fez voltar.
Voltou de moletas, mas voltou.
Voltou a pedir, mas voltou.
Voltou a morrer, mas voltou.
Era só isso que queríamos, que voltasse.

Foi ela que o fez partir mas foi ela que nos partiu a todos. Foi por ela que acabou os seus dias dentro do velho moinho, despedaçado, amordaçado mas junto dos seus, junto de nós.

Ela levou-o mas ele deixou-me a sua força, a sua vontade, a sua capacidade de dizer que não. Foi nele que sempre arranjei forças para continuar. É ele que me fala nos momentos em que a palavra "desistir" vem à cabeça.

Afinal nós somos os cavaleiros do moinho.